Pesquisar este blog

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Labor - HANNAH ARENDT



Ao analisar alguns capítulos do livro A condição humana de Arendt Hannah vem-nos primeiramente uma distinção, etimologicamente falando (segundo todas línguas européias), entre labor, que não faz referência ao produto final, e trabalho, que deriva-se diretamente dele.


Segundo Locke, as mãos que trabalham, como sugere o título do capítulo, seriam o artífice e o corpo que labora, os escravos e animais domésticos responsáveis por realizar o trabalho indispensável à manutenção da vida. Eis de onde surge o desprezo pelo labor e a busca pela abstinência de todas as atividades não políticas, expandindo-se mais tarde, para tudo aquilo que requeresse esforço.


Aristóteles considerava o desgaste físico conseqüência de uma ocupação mesquinha e rejeitava a utilização da palavra homem para designar indivíduos totalmente subordinados à necessidade. Os gregos não confiavam no artífice (na era moderna homo faber) por acreditar que o labor do nosso corpo é servil.


Na verdade, são os historiadores modernos que possuem essa visão preconceituosa do labor e do trabalho na antiguidade, por terem sido realizados por escravos. Os próprios antigos viam no trabalho escravo a necessidade de manutenção da vida e “laborar significava ser escravizado pela necessidade” e por isso mesmo a liberdade só poderia ser conquistada sujeitando outros a realizarem as tarefas fundamentais, transformando homens em “animais domésticos” (animal laborans). O objetivo não era o de obter mão-de-obra barata ou lucrar, como hoje.


A principal preocupação dos clássicos residia na diferenciação das esferas pública e privada e no gasto de tempo para elas das quais, ao chegar à primeira, o labor passa por uma “evolução”, podendo ser organizado e dividido. Com o advento da teoria política os filósofos expandiram o conceito de contemplação e até as atividades políticas passaram a ser consideradas como labor.


Na era moderna o labor atinge seu mais alto patamar, como fonte dos mais nobres valores e capaz de elevar o indivíduo que trabalha a ser racional.


Adam Smith e Karl Marx compreenderam três formas de trabalho: produtivo e improdutivo; qualificado e não qualificado; e manual e intelectual.


A primeira distinção é a mais significativa para diferenciar labor e trabalho. O esforço gasto no primeiro é para suprir as necessidades, um esforço nobre, necessário à vida, no entanto, considerado como improdutivo. O homem que trabalha tem que ser encarado como o homem que produz além do essencial. A principal diferença entre a produtividade do trabalho e do labor é que na primeira produz-se excedente e na segunda produz o necessário à sobrevivência. Como a força gasta na primeira não se esgota somente para esta finalidade, conclui-se que apenas o labor de alguns é preciso para assegurar a vida de todos.


Essa idéia de diferenciação se perde a partir do momento em que Marx considera que todo trabalho é produtivo, isto é, sempre deverá haver uma mercadoria. Uma sociedade totalmente socializada eleminaria a distinção entre labor e trabalho, pois ambos teriam o mesmo fim: a manutenção da vida.


Relevante é notar que a partir do processo de industrialização fez-se necessário a diferenciação do trabalho que não fosse industrial, daí a classificação intelectual e manual. Se o labor não deixa rastros (produtos), o “pensar” menos ainda. No entanto, ambas as classificações são manuais, pois o trabalho intelectual necessita de alguma forma sair da “cabeça”.


A diferença ente labor e trabalho, depois de ambos serem considerados como produtivos, não é tão sutil se analisarmos a localização, função e durabilidade do produto. O exemplo dado pela autora torna bem clara a relação entre bens de consumo, as mais naturais das mundanidades por seu processo cíclico rápido e contínuo, exemplificado pelo pão, produto do labor; e objetos de uso, a mesa, produto do trabalho e fim, pronta para acrescentar ao mundo e permanecer nele. Esses últimos tornam-se responsáveis por costumes e hábitos das relações humanas dados por seu uso contínuo e também pela degradação da natureza por encontrar sua matéria-prima nela e não devolvê-la tão rapidamente. A condição humana é determinada pela dependência do que ele produz.


Locke, Smith e Marx ao elevarem o labor à fonte de toda propriedade e riqueza, assim como origem de toda produtividade como expressão própria do homem e capaz de construir o mundo levam à tona uma série de contradições. Para simular seu caráter pouco durável, Locke introduz o dinheiro como regente do labor e origem da propriedade.


O equívoco de Marx é percebido ao estabelecer o trabalho como a atividade humana mais produtiva e necessária imposta pela natureza enquanto garante que a liberdade somente é conquistada ao fim da necessidade. A adaptação de suas idéias veio junto com o processo progressivo de crescimento (de riqueza, propriedade e aquisição) a partir do século XVII, entendido como próprio processo natural de fertilidade da vida. E foi dessa forma que se começou o pensamento moderno de que dinheiro gera dinheiro e poder gera poder. Desse processo, somente o labor é interminável por estar diretamente ligado ao próprio processo vital e Marx encarou-o como a reprodução da vida do próprio indivíduo. Concebeu dentro deste processo também, outra modalidade, a da procriação, como produção de vida alheia. Toda essa adaptação possibilitou-lhe a proposta de uma teoria na qual a força de trabalho era o trabalho abstrato e essa mesma força restante da produção dos meios para a reprodução do trabalhador constitui-se no excedente (potencial de multiplicação, daí a comparação com fertilidade).


A era moderna não defendeu a propriedade, mas sim a apropriação em nome da vida em sociedade. Locke não aceitava o labor como conseqüência da pobreza, mas sim, como atividade característica de apropriação do mundo. Ao mesmo tempo sua particularidade seria inquestionável, pois não há nada mais privado ao homem que o seu próprio corpo.


A partir da emancipação do labor surgiu uma sociedade operária - da qual apenas o artista restou - capaz de nivelar as atividades humanas aos seus mais importantes papéis que são os referentes à manutenção da vida e sua produção crescente, submetendo toda a raça humana à necessidade. Atualmente a concepção de trabalho é totalmente oposta a de lazer, por esse mesmo motivo as atividades que não são fundamentais à vida humana nem à sociedade enquadram-se no que se entende por lazer, assim como o “trabalho” do artista, considerado mundano.


A emancipação da classe trabalhadora diminui a opressão e a exploração, entretanto não garantiu a liberdade. Para Platão, era necessária a emancipação do homem em relação ao trabalho. Isso não era uma utopia visto que o consumo torna-se cada vez mais desenfreado ao passo que o homem não precisa se esforçar para obter os produtos, podendo reproduzi-los cada vez em maior escala através das máquinas, o que não quis dizer que seriam mais duráveis. O indivíduo que trabalha é cada vez tentado a trabalhar mais para poder usufruir das futilidades consumidas em suas horas vagas.


O homem que produz gera o artifício humano capaz de materializar o abrigo humano, de modo a trazer estabilidade contando com significativa durabilidade. Uma contraposição entre a matéria invariável, de certa forma, e o homem em constante modificação.


Uso e consumo também não são sinônimos, porém complementam-se. Por isso, os objetos para continuarem como “coisas do mundo humano” devem ser constantemente reproduzidos.






O trabalho é de certa forma apolítico, porém o labor também é anti-político por tratar o todo como um só, pensar em sociedade. A igualdade na esfera pública é desigual, pois leva em consideração somente alguns aspectos, como o financeiro. A igualdade política não precisa de um fator igualador. Uma nova forma de governo é o que divide o econômico e o político.


A principal diferença entre o trabalho escravo e o trabalho moderno livre dá-se pelo fato de que o operário moderno faz parte da esfera pública, atuante como cidadão integrante da sociedade.


Platão dizia que a diferença entre saber e executar, era alheia a esfera da ação, constituía experiência cotidiana na fabricação. Entendendo a ação como fabricação encontra-se a influência política da violência, inexpressiva até a época moderna, a qual eliminou os preconceitos referentes à inferiorização do trabalho do artesão.


Pela experimentação foi possível perceber a capacidade humana de reagir e de iniciar processos espontâneos.

Vivemos num mundo globalizado. Isto significa redução de distâncias pela velocidade. O homem distancia-se de seu ambiente e permanece como que um observador externo a ele. A expropriação de pessoas, a destruição de objetos e a devastação de cidades estimulam um processo de acúmulo de riqueza ainda mais rápido. O processo comum estimulado pelo processo vital e pela vida humana resultaria na eliminação das mundanidades e do mundo humano. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário