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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Relatório sobre os capítulos II e V do livro “Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento urbano” de Gilberto Freyre

O capítulo II O Engenho e a Praça; A casa e a Rua relata sobre as relações diretas existentes no Brasil colonial ( século XVI) entre modo de vida, habitação e a repercussão de ambos na interação social neste período de formação brasileira.
Mesmo sendo a casa-grande de Engenho ou de Fazenda o tipo de habitação mais saliente (detentora de poder e luxo), esse período foi marcado pela casa de Palhoça (como que de caboclo), casebre (como que de cigano) e Mucambo (como que de negro) que se desenvolveram para a habitação urbana europeizada: a Taipa (século XVIII). Percebe-se, deste então, as raízes da diversidade de integração social brasileira.
Ao adentrar mais no processo de desenvolvimento dessas relações, no século XVIII em Minas Gerais, houve o início de fixação das vilas e casas de fazenda, pois antes a zona do Ouro era formada apenas por um cenário. Os habitantes eram “móveis” (utilizavam-se de habitações e alimentação nativas) e solteiros (o que foi importante para a fase quase militar de colonização). No entanto, o Rei preferia os casados, os quais pela obediência tinham maiores chances de governar as câmaras das vilas (fase exploratória e mais burocrática).
A figura central da casa-grande foi a mulher, mãe de família. Foi a estabilizadora de civilização européia no Brasil, isto pela criatividade na cozinha, cuidados com a higiene e doentes e criação dos filhos. Ao fim do século XVI homens e mulheres viviam à maneira de Lisboa graças à mulher mediadora entre arquitetura e estilo de vida possibilitando habitações mais nobres, promovendo o requinte da casa-grande de Engenho para a casa-grande de Sobrado.
Ao dar-se início ao desenvolvimento urbano, o Sobrado e a rua começaram a “brigar”. Tal fato pode ser percebido pelo patriarcalismo que resguardava a mulher em casa, onde oferecia “tudo o que elas precisavam”, vindo de lojas, trazido por mascates e pretas. Dentre essas tinham as quitandeiras e boceteiras, essas últimas eram responsáveis por enviar recados e serviam de “leva e traz” da vida das casas-grandes, tornando-se muito queridas pelas senhoras da casa pela “indigna curiosidade”.
No Sobrado, a cozinha perdeu a importância do Engenho, justamente por causa da perda da grande hospitalidade por uma maior retração na cidade. Isso explica também, porque ainda nessa fase a mulher não aparecia às visitas (homens) que não fosse de mesmo sangue ou não tivessem relação de compadrio. Os jardins eram como que lugares tabus, por proporcionaram ar livre às mulheres sem que essas fossem vistas. Eram irregulares, influência chinesa, e com o intuito também de proporcionar um “aroma higiênico”.
Os homens do Recife e São Luís do Maranhão ficavam a tarde inteira à rua tratando de negócios, namorando mulatas, falando do governo e da vida alheia. Já os homens do Rio de Janeiro e Bahia pouco saiam de casa. Isso era símbolo de fidalguia, porém também de “monomania” ao estimular o sedentarismo e provocar um atraso em relação à higiene privada. Quanto à higiene geral houve progresso somente nas grandes cidades. Este fator ligado ao urbanismo determinava a localização dos ofícios e atividades industriais, assim como a limitação de outras atividades, como as comerciais.
As ruas do século XVIII possuíam um caráter sindicalista ou medievalista, eram escuras, cheias de buracos e por isso, sair à noite era uma verdadeira aventura. Mesmo diante dessas e outras deficiências, a cidade conseguiu tornar-se superior à zona rural, onde havia muita Bexiga e Peste Bubônica, por suas medidas de saneamento, profilaxia e oferecimento de recursos médicos. Ao unir-se à Igreja desenvolveu a assistência social, construindo hospitais, hospícios, promovendo atividades das Ordens Terceiras e Confrarias, como a medicina pública, a qual era desprezada pela família patriarcal.
O patriarcalismo era totalmente individualista, perceptível em suas economias autônomas, e voltado para o privatismo familiar diante da falta de solidariedade com os colonos. Essas características mostravam um grande desinteresse pela expansão e intercomunicação e interesse apenas para o consumo próprio.Este fato também explica o vagaroso desenvolvimento brasileiro nas comunicações.
A partir dessas atitudes egocêntricas das casas-grandes desenvolveu-se um forte sentimento de raça e mesmo de classe pelos escravos, formando associações cooperativistas, de fundo étnico e em defesa do trabalhador. Os Mucambos tornaram-se os locais de esforço de independência desenvolvendo uma cultura e economia parassocialista até formarem a primeira cidade contra o Engenho: a cidade de Mucambos de palha por ex-escravos em Palmares. Esta dificilmente foi suprimida pelo patriarcalismo e nela deu-se o esboço do que seria a policultura (diversidade), em contraposição a monocultura latifundiária (destinada à exportação, disseminando populações por latifúndios improdutivos).
Um fato presente que nos possibilita remeter aos costumes daquela época, principalmente aqui na cidade de Ouro Preto, são as festas de rua com fundo religioso nas quais os pretos exibiam suas danças e os brancos organizavam suas procissões e semanas santas, enfeitando pessoas e casas. No intuito de preservar o patrimônio imaterial da cidade esses costumes foram mantidos, só não permaneceu a distinção entre raças para cada tipo de manifestação. Atualmente é algo mais disseminado.
Na segunda metade do século XIX houve a transição entre o estilo patriarcal e o burguês europeu, devido ao contato com as modas inglesas depois da chegada de Dom João VI, que influenciou também a arquitetura doméstica e a elegância das ruas da Corte (portas envidraçadas; chácara cercada de árvores; limpeza da rua; saneamento).
Com a predominância do café sobre o açúcar, que já vinha perdendo para as minas, as casas do Norte começaram a perder para as do Sul das quais os Sobrados foram tornando-se Casarões pela falta de manutenção. Falava-se até em uma superioridade de negros dessas duas regiões devido à diferença de tratamento pelas condições a que essas casas-grandes estavam submetidas.
A lavoura tornou-se dependente do comércio. Foi uma fase de grande calamidade, onde havia furto crescente e descarado de negros, encoberto por interesses agrários que dominavam a presidência da maior parte das províncias, a justiça e a polícia.Culminando em uma luta em escalas do rural contra o urbano, da casa contra a rua, sendo que esta última embelezava-se à custa da casa (velhas inimigas).
 Com tudo isso se pode dizer que a Praça venceu o Engenho (e neste ponto podemos entender a praça como o urbano, a cidade), mas permaneceu com algumas características, como os vícios de linguagem perceptíveis até hoje e influenciou também no atraso do estilo de habitação e transporte brasileiro.
No capítulo V “O Sobrado e o Mucambo” vão ser expostos os principais motivos da origem de fatos sociais detestáveis do ponto de vista moral e de igualdade que permanecem até hoje, como: a prostituição, o abuso sexual, falsificação e inflação dos itens alimentícios, assim como as principais diferenças entre as habitações consideradas urbanas e rurais marcantes na identidade brasileira. O sítio foi exatamente o ponto de confluência entre esse dois tipos de habitação, permanecendo muito tempo, no entanto, mais horizontal que vertical, isto é, mais rural.
Primeiramente fala-se sobre a casa como símbolo de status social, a qual exercia e exerce grande influência sobre homens e mulheres. Estas últimas, totalmente privatizadas pelo sistema patriarcal, como falado anteriormente neste relatório. As chácaras, por sua vez, representavam a transição da habitação rural para a urbana. As ruas eram tratadas como lugar de muluques, para o lazer dos “meninos” havia o quintal.
Algumas dentre as privações deste sistema foram corrigidas, porém outras foram acentuadas. O contato da casa nobre com a rua, com as outras casas e com o mercado fez com que diminuísse toda a complexidade social criada em volta desta e chegasse ao fim a velha briga entre ambas - a casa-grande passou a refletir tendências sociais da rua e influir sobre ela-. Uma conseqüência direta foi a redução das senzalas nestas casas que chegaram a ponto de tornar-se dependências das mesmas. Este fator levou ao aumento das aldeias de mucambos e palhoças perto dos sobrados e chácaras, que se espalharam pelas zonas desprezadas e perderam todo o amparo que tinham na casa-grande.
Com a quebra do sistema casa-grande-senzala os antagonismos culturais europeus, indígenas e/ou africanos foram espalhados e intensificados pela urbanização do país que gerou uma nova relação entre eles. A ascensão social foi possibilitada àqueles que tivessem alguma aptidão artística ou intelectual, ou no caso das mulatas, a atração sexual. Eis aí a origem da miscigenação brasileira em grande escala, o que provocou também a diminuição desses antagonismos.
Todas essas novas relações estabelecidas como, a distância entre senhores de escravos, a aproximação das casas nobres entre si -com a rua e suas construções também- e o engrossamento de mucambos causaram uma dissolução de costumes. Isto culminou com a alteração nas relações entre sexos, como o “comunismo sexual” nos mucambos, o que não era uma novidade frente à poligamia existente desde antes nas casas-grandes.
O Sobrado até que tentou preservar os costumes, percebido pelas urupemas (cacos de vidros nos muros – separador entre casa e rua) símbolo de agressividade para separar os inimigos. No entanto até a mulher conseguiu vencer o ciúme sexual do homem, notado nas chácaras, pelo caramanchão e, nos sobrados, pela varanda.
A influência dos holandeses no Recife criando habitações como que ecológicas – magras e verticais de três a seis andares, características dos ricos, as quais dividiam-se da seguinte forma: térreo (armazém e senzala); segundo pavimento (escritório); terceiro e quarto (sala de visitas e quarto de dormir); quinto (salas de jantar) e; sexto (a cozinha, com a vantagem de sua localização por não enfumaçar e deixar cheiros na casa, mas com a desvantagem de dificultar o transporte de água e alimentos)-, pela questão de economia do espaço e assumindo uma configuração ecológica da cidade devido também à sua topografia plana. Tal situação pode ser comparada à de Ouro Preto contando com que, no entanto, percebe-se a presença de quintais nos sobrados, apesar da geminação para economia de espaço e a topografia é muito irregular. Pouco, ou quase nada, foi modificado desde a implantação dessas habitações e a falta de espaço na área central, acentuada pela topografia que dificulta a construção em certos pontos, provocou a expansão da cidade para a periferia.
No Recife houve um plano de urbanização por Peter Post que dotou a cidade de pontes (as primeiras paleotécnicas no Brasil) que ligavam à vila de Antônio Vaz, provocando o desafogamento da cidade. Senhores mais ricos compraram as terras suburbanas e praticaram ao extremo a exploração imobiliária. Já em Ouro Preto, mesma solução nem poderia ser adotada, considerando que a cidade é como que colocada em corte de serra e suas ruas não foram pensadas para automóveis. Entretanto a exploração imobiliária ocorre atualmente de forma mais intensa no centro histórico mesmo e na área-entorno da universidade.
Ao se tornar uma quase ilha, Recife - Nova-Holanda -, deu origem aos primeiros cortiços do Brasil, tornou-se a primeira área comercial brasileira. A situação dos Sobrados - cortiços ou Sobrados-bordéis resultaram na sifilização intensa, grandes números de delitos sexuais, bigamia, sodomia, crimes contra a natureza, duelos, desinteria e gripe, estas últimas por causa da água poluída e das condições anti-higiênicas. No entanto, essa tentativa de comprimir a cidade e verticalizá-la juntamente com o domínio da atividade comercial promoveu a modernização do Recife e as questões anti-higiênicas foram superadas graças a um fator natural: a presença de dois rios que banham a cidade.
Pernambuco passou pelos dois tipos de colonização: a urbana (capitalista, holandesa, com a evolução de sobrado para cortiço) e rural (feudal, portuguesa, marcada pela casa-grande-senzala). A primeira, em termos de raça e cultura aproveitou ao máximo do judeu, procurando extrair o possível do português, do negro, do índio, do alemão, do francês, do inglês, uma verdadeira miscigenação cultural.
Os abusos sexuais foram perceptíveis também nas casas-grandes e nas próprias igrejas, por padres, isto em 1733, observa-se que não é nada atual. Em 1798 a prostituição de “mulheres públicas” no Brasil tornava-se maior que na Europa, devido ao ócio e à riqueza adquirida sem trabalho. Na segunda metade do século XIX alastrou-se ainda mais, havia até uma classificação delas: aristocráticas (de sobrado), de sobradinho e de rotula (de casebres e mucambos, que habitavam também os fundos de comércio).
Na mesma época, no baixo comércio, observava-se a pederastia no Rio de Janeiro. A troca de mulheres por caixeiros devia-se à economia, que podiam ser substituídos por outros de atividades urbanas, como coches e cocheiros. Assim, as carruagens tornavam-se verdadeiras alcovas ambulantes. Tinham também os negros vendedores de flores.
Diante dessa libertinagem inventaram-se comadres “fazedoras de anjos”, responsáveis por “dar um jeito” nas burguesinhas grávidas e vendia-se hímem. O vício alcoólico foi trazido pelos holandeses, embora houvesse na zona rural, porém a classe baixa só utilizava-se dos falsificados. Será que desde já pode-se falar no jeitinho brasileiro de resolver as situações?
As famílias ricas, com sua economia privada, conseguiram a solução para o problema de abastecimento de víveres e alimentos. No entanto, isso foi um grande problema para a população geral, visto que a mesma detinha os produtos e os repassavam por preços caríssimos. Este desequilíbrio foi provocado pela monocultura latifundiária e pode ser identificado como o início do processo inflacionário no Brasil.
Pode-se perceber que os responsáveis por tentar auxiliar os mais pobres na tentativa de fazer com que o fornecimento de certos alimentos passasse a ser do domínio público e não privado, foram os governadores, embora não todos. Com a independência os pobres ficaram ainda mais desamparados e a urbanização mais intensa do país piorou ainda mais essa situação.
A transição da economia patriarcal para a industrial foi marcada pelo surto do café, no Brasil, e o operário tratado como simples máquina de fazer dinheiro, o que provocava a fuga deste. Isto ajudou à formação de uma pequena burguesia, constituída por: artífices ou pequenos negociantes europeus recém-chegados, brancos de casa grande empobrecidos e por negros bem sucedidos nas artes e ofícios manuais.
A habitação mais baixa dessa nova classe eram os mucambos que tinham por cobertura duas ou até três camadas de sapé, as quais foram utilizadas nas primeiras casas de colonos. A passagem da “casa vegetal” para a utilização de elementos duradouros (pedra, cal, adobe, telha, madeira de lei, grade de ferro) indicava maior poder, como descrito no início da análise sobre este capítulo. Isso de acordo com os recursos obtidos, o contato com a civilização européia e, no mais, a diferença existente entre a utilização de um ou outro material dava-se pelas características do solo e de clima.
Falando-se um pouco mais sobre sobrados que dominaram a paisagem brasileira já no século XVII e passaram por grandes modificações, estes usaram muito das pedras vindas de Lisboa. No Rio, porém, preferiu-se a utilização de matérias “conterrâneas”, como o granito das proximidades, o predomínio de argamassa de cal de mariscos com areia do mar no litoral, enquanto predominava o barro no interior. A solidez percebida já nos séculos XVI e XVII por seus dois ou três andares era devido às suas paredes largas. Esteticamente tal característica era percebida pela cantaria nas fachadas, sacadas largas e tetos de telha. Eram casas bem escuras e com péssima ventilação exatamente por evitar o sol e o ar.
Em muitos locais do Brasil, as casas de classe baixa foram construídas inicialmente ao pé dos morros (áreas pequenas, insalubres, propagadoras de doenças) enquanto que no alto ficavam as casas-grandes e tudo mais que se remete à sociedade mais elevada. Esta, no Rio de Janeiro, era detentora de fazendas dentro da cidade mesmo. Os Sobrados mais velhos iam tornando-se cortiços, armazéns, colégios, hotéis, pensões e bordéis.
As cidades brasileiras expandiram-se em contradição com os interesses de economia autônoma da classe elevada, necessitados de mais espaço pra senzala e luxo. Isso por causa da imposição de uma carga grande de atividades urbanas aos burgueses, já que a estrutura urbana e a intercomunicação com os engenhos era muito falha. A verticalização alastrou-se principalmente quando se tratava de terrenos mais íngremes como forma de manter a proporção de tamanho sem que concentrasse muitas casas na cidade. Esse processo, visando à economia espacial, foi desejável principalmente pelas cidades pequenas.
Os paulistas, mais caseiros e ariscos, tiveram uma preferência pelas chácaras (casas de um pavimento, caiadas de branco) por seu caráter semi-urbano com gostinho rural. O sobrado em São Paulo, principalmente em terrenos irregulares, hibridizou-se (metade sobrado, metade aéreo).
Como percebido até agora não foi só uma, mas muitas civilizações que influenciaram os hábitos e a arquitetura brasileira. Da azulejaria portuguesa, fontes mouras, até a higienização do corpo e casa também pelos mouros e muçulmanos.
Os mucambos e palhoças quase nem se modificaram. Sendo o tipo de habitação mais confortável devido ao clima tropical levavam vantagem sobre as casas nobres. O erro sempre esteve no desejo incontentável de modernizar as habitações pobres utilizando materiais super condutores de calor, em vez dos materiais nativos e de mais fácil acesso.
Podemos pensar ainda hoje que uma ótima solução para o problema de habitação social no Brasil poderia se basear em programas que desenvolvessem um certo tipo de mucambo higienizado. No entanto, para o Sul deveria se pensar em outras opções, que devido ao clima, são bem mais caras.

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